terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

As cartas



“As tintas que usei
Os papéis que gastei
O dicionário que esbanjei
Pra lhe dizer de flores
De sons de violões
Do desejo que tenho
De te ter recostada sobre meu ombro
Num dia de sol
No banco em frente às nossas casas.
Acabou-se tudo.
E tão melhor seria
se fosse eu a lhe bater na porta antes de ontem às seis
e não ter que lhe dizer te amo
pra ganhar o beijo que ele ganhou
o sorriso que pintou seu rosto
o abraço que perpetuou-se
a troco de uma carta que ele nunca mandou”


Mudou.
Muda,
Deixei tudo outra vez em paz.
Tudo.
Tonta,
Restou o cheiro doce
De um rapaz.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Água Molhada


Nos dias de chuva é sempre fácil arranjar algo para se fazer.
A primeira impressão que temos é exatamente o contrário. Chuva resulta em praça sem sol, roupas molhadas e, consequentemente, na impossibilidade de brincar do lado de fora.
Mas quando criança eu rezava para que logo viessem as chuvas de verão. São aquelas que chegam sem dar aviso: de repente chove e de repente acaba. Eu corria sempre pro quarto onde dormia a Nice – a moça que trabalhava em casa – pra pegar as cartas de baralho, os jogos de ludo e dama ou então apanhava do lado do telefone um almaço de folhas e umas canetas pra brincar de “stop”.
Tudo bem que pras crianças da minha idade era mais gostoso jogar Mario Bross ou brincar de paciência no computador. Mas para mim era diferente. Não porque não gostasse de vídeo-games nem de tecnologias, mas simplesmente porque nunca as tive dentro de casa. Na época, claro, sonhava com vídeo-game, mas hoje agradeço à minha mãe e apenas a recrimino por ainda ter comprado uma televisão.
No ludo eu era a pior. Sabe-se lá que azar tem uma menina de 12 anos que sempre perdia no ludo pra sua irmã do meio – de 7 anos. Nunca conseguia ganhar. Mas no stop também não havia para mais ninguém. Sabia inúmeros nomes de carros com a letra “C” e ainda poderia preencher quase todas as colunas com a letras mais difíceis: “H” ou “Z”. Como era bom o sabor de ganhar. A euforia de receber R$1,00 de balas de menta por ter sido a vencedora por conta da aposta do jogo.
Acabava a chuva e animava-me ver o arco-íris. O prazer da vez era sair de casa e correr na rua pulando poças de lama para depois ser surpreendida por minha mãe no quintal tomando banho de mangueira e espalhando água em todo canto da casa.
Ah! Ora! hoje penso nos tapas que levava. Mas que mal faz água? É só água. E água não seca?

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Inócuo


Sorrindo ou cantando
Dançando ou sorrindo
Sorrindo ou falando
Falando ou Ouvindo.


O olhar de uma moça
Que vê o mundo apenas:
Em si e além de si – endogenamente.
Crê na beleza do mundo que cria no rabisco do lápis, na música do disco, no livro de cabeceira, no silêncio da manhã, na grama da praça, nos dentes da criança.
Crê numa explosão de idéias, na possibilidade de vivenciá-las alguma dia – quando tratar de ter coragem de se assumir como louca, como um ser que não pertence ao mundo real e que vive a flutuar sob os móbiles de seu quarto, em cima da rede, ao lado do violão, no cosmos.
Flutua com tanta intensidade que se esquece do tédio dos mortais – dos homens – da insensatez dos jovens, do esquecimento dos anciãos, das descobertas das crianças.
Senta-se na sala de aula e força-se a olhar o rosto quadrado, o terno quadrado e as palavras quadradas do seu professor. Mas é só ouvir um zunido de abelha, um mosquito que conflui na linha de seu caderno e faz largar a caneta e apanhar o lápis pra desenhar na carteira um fluxograma que aponta setas onde se lêem “loucura, viagem, beleza, sensibilidade” para um centro onde desenha seu rosto e seus cabelos.
Sai da sala procurando um cigarro amassado na bolsa onde leva livro, canivete, revista, batom, fotografia, linhas azuis. Vê-se numa multidão de estranhas criaturas que gritam com o fim de chamar atenção, que devoram salgados enquanto falam com a boca cheia, que entornam refrigerantes com gás, que usam brincos enormes de prata falsa e que alisam os cabelos com produtos que fedem à amônia. Sente-se estranha por estar e participar desse universo que causa assombro. Quando acende seu cigarro, sentada no banco que dá de frente pro pequeno brejo, pode ouvir os sons dos sapos, os grilos e não entende como tantas palavras soltas ao lado, numa roda de amigos, consegue ser, para eles, tão mais interessante.
Tem a leve sensação de que não pertence a esse mundo não fosse por algumas criaturas sensíveis que também destemem a solidão e amam as músicas que não tem vozes e que sentem cheiro de flor de longe. Que sabem falar com onomatopéias, que sopram palavras, que amam a terra seca ou molhada, o povo pobre ou farto, os sons daqui e os de lá. Por essas criaturas se sente, por um momento, um dentre os mais.

 

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